Confesso: Circular em Montreal ainda não é fácil pra mim.Sempre mais fácil circular de metrô, ou seja, pelas veias internas da cidade. Pelo subcutâneo, pela ‘coisa’ em paralelo. Digo veias internas porque existem as ruas e estas poderiam ser classificadas como as veias externas da cidade. Eu prefiro classificá-las como rios de concreto. Onde se pode circular mas, com cautela. Um tipo de rio caudaloso em que deve-se seguir a corrente, ou esperar que ela passe.
Mas não se preocupem, não se corre um risco maior em ficar parado orbitando os transeuntes. Ao revés: há tanta beleza nos diversos tipos humanos, nas indumentárias que cobrem os corpos enquanto o vento não as fazem voar com seu bailado imprevisto! Vermelhos, verdes, azuis ... tudo ‘chamando’ em meio ao concreto-cinza. Outro dia vi uma echarpe tão bonita no pescoço de alguém que tive a impressão de ouvi-la sussurrar algum segredo. Ou era eu delirando, querendo pôr mais vida em tudo...
Mas este post é para falar também de outro tipo de circulação: o nosso ritmo interno. Falo agora do sangue. Esse nosso líquido salgado, vermelho e quente. Os mais sensíveis podem encerrar a leitura do texto aqui – chateio não ;) – acontece que, quando uma espécie do sul como eu fica algum tempo exposta a essa temperatura de seção de sorvete de supermercado, é fácil sentir que o organismo concentra suas forças. As partes descobertas – ou vitalmente menos importantes – ficam geladas como coração sem carinho. Algumas regiões da face, as orelhas, as pontas dos dedos... E quando se vai novamente a um ambiente interno e aquecido, o corpo registra a informação e dá pra sentir o nosso ‘rio magenta’ voltar com tudo a toda velocidade. Do Mar Morto ao Everest. Fica tudo tão quentinho e vivo que beber chocolate quente dá até alguma volúpia, e os dedinhos do pé parecem brinquedo novo. É Montreal, aumentando a minha coleção de sentidos.
(Dedicado a S. Joseph M.)