Costumo almoçar no restaurante comunitário perto do Monte que dá nome à cidade, o Mont Royal. Comida barata, boa e todo tipo de comensal: Aposentados, trabalhadores, locais e imigrantes. Todo mundo ‘compartilhando’ o bandejão azul! O cardápio pode ser Vegê (preguicinha de francófono pra não dizer Ve-ge-ta-ri-a-noooo) ou não. A refeição é completa com entrada –saladinha – prato principal, sobremesa e bebida. Tem também sopa, ou algum creme quentinho e pão. Há quase sempre as mesmas figuras no salão decorado com garfos enormes e tomates não menos gigantes (se o decorador queria aguçar o apetite do público, pintar de vermelho as paredes seria suficiente, na minha opinião.) Uma das figuras mais simpáticas é o cachorro-guia de um dos freqüentadores, de pelinhos sadios e negros, sempre atencioso com seu dono e simpático com quem passa. Aceita carinho de graça, mas nunca, jamais se desgruda dele. Os idosos – a maioria aposentados – puxam alguma conversa. Perguntam se querem que guarde lugar, aquiescem quando peço licença para sentar à mesa. Se percebem um sotaque incomum, perguntam de onde venho. Se a pergunta já foi respondida, se estou gostando da cidade, e se esta última também já o foi, se estou gostando da comida. Não beira a antipatia porque a maioria é bem amável e quando não tenho vontade de responder é só sorrir e avisar que estou com a boca cheia. Simples assim.
Os cozinheiros outro caso à parte.O italiano sempre me causa angústia porque raramente entendo o seu francês de cabo de vassoura na boca, o meu ouvido de recém – chegada também não é lá grande parâmetro. O problema é se qualquer hora dessas, ele resolver me perguntar se quero pimenta e eu responder rapidamente que sim, só pra me livrar da conversa... ;)
Numa ocasião cheguei sem escolher lugar e acabei me sentando em frente a uma figura de cinema: Yves. Foi logo querendo adivinhar quem eu era. Ele e sua amiga, também, com alma de bruxa. Faziam afirmações variadas e eu respondia que sim, ou que não. Em dois minutos sentenciou: ”Você é escritora” e começou a descrever a minha personalidade. Adivinhem que ele acertou 99% das coisas. Entre o meu espanto e timidez ele tirou um livro do bolso, me apresentou um de seus preferidos, o Krishnamurti e disse que queria me apresentar um poeta. Era o Simon que vinha chegando. Um garoto tão lindo quando um abismo. Olhos verdes como de vidro de garrafa. Mas garrafa que mora no fundo do mar, que ainda guarda algo de rum e de um convite perigoso para mergulhar sem volta. A figura mais bela que vi por aqui. Beleza de sedução inconsciente, de sorriso com olhar e ameaça de torpor sem fim.
Com suas mãos de homem grande, tirou um poema do bolso, falou do seu modo de criação, seguro do seu poder de poeta. Explicou como lhe vinham as palavras, da força e do poder que elas têm por si só... Confesso – me embriagou por alguns instantes. Um homem bonito é como um perfume que vai pelas frestas e se espalha sem apelos. Um pássaro de asas transparentes que se vê eqüidistante sem explicação. Quando Yves disse que eu escrevia, ele sorriu e aquilo poderia ser proibido para menores. Anotou na minha caderneta um livro do Erich Fried, que recomendou a leitura (Cem Poemas sem Fronteiras). E terminamos a conversa com um abraço. Parecia um trecho desses filmes europeus em que se abre a janela sobre um acontecimento qualquer e em seguida se fecha. E quando acendem-se as luzes, a plateia vai com um sorriso guardado no bolso pra casa.
Les Chuchoteuses de Rose - Aimée Bélanger |
Entre uma garfada e outra, os comensais são quase todos meio assim :) |
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