quinta-feira, 28 de abril de 2011

Love & Peace


Saindo da Estação Peel, sem querer dei de cara com o Hotel Queen Elizabeth. Foi lá que Dona Yoko (Yoko Ono) e Leninho (John Lennon) curtiram o segundo Bed-in. O primeiro foi em Amsterdã, o quase-meio-segundo foi nas Bahamas – Leninho  não gostou da umidade do lugar e ‘partiu Montréal’ ;)
Era 1969, ano das utopias palpáveis. Dos amores que abraçam o mundo, que determinam o fim de guerras e o comprimento dos cabelos. De sonhos que cresciam num quintal e de repente se tornavam coletivos. Era a Guerra do Vietnã que se arrastava, desumanizava tudo. Deixava um desconforto em toda a vontade de ser feliz.  
Geave a Peace a Chance foi gravado lá em 1º de junho daquele ano.  Isso mesmo, uma canção de tamanho emblema, gravada num quarto de hotel. 'Na cama.' Enquanto lá fora repartições públicas, tráfego...coisas comuns atravessavam o cotidiano, na suíte 1742 (as suítes 1738, 1740 e 1744 também foram ocupadas) nascia uma flor. Para colocar na lapela, para figurar na memória ou simplesmente assoviar na rua.

'And I swear that I don't have a gun' diria Kurt Cobain algumas décadas mais tarde.



quarta-feira, 27 de abril de 2011

Notinha

Ontem, 26 de abril, foi lançado em Salvador um livro em que fiz a correção ortográfica . Se chama "Puros Ensaios, Novos Tempos"; de Plínio Gomes pela Editora Multifoco. É a primeira obra literária em que trabalho neste sentido. Os outros foram Cadernos Culturais, Artigos Científicos... Me deixou com um sorriso secreto derretido na boca. Sucesso, Plínio! ;)

Post Randômico

Entre faróis e ventos que levam cabelos e pensamentos eu caminho. Empurrando a grande porta medieval do metrô, esperando o momento mágico de atravessar a rua ...
Chamo, este post de randômico porque escrevo num guardanapo de bar o que me vem à mente enquanto espero a chuva passar.
(...)
A noite de hoje, tem uma linha fria que me lembra o invernico soteropolitano em sua vaidosa potência tropical: Agradável ... imprevisível...
A janela com vidro molhado faz a paisagem ficar pontilhada como um quadro de Seurat. Meus olhos teimosos, só querem ver os pontos vermelhos. Semáforos, cartazes, automóveis e o letreiro do Queen Elizabeth (sobre o hotel, prometo pra já já um outro post).
Tinha esquecido que hoje é dia de Canadiens X Chicago. As regras do Hockey estão ainda incompletas no meu caderno de esportes...
Me espanto quando eles pegam o disco com a mão – achei  que seria proibido o chamado ‘jogo aéreo’ –  também quando eles se tocam sem medo num ‘cataclismo’ corporal (um verdadeiro encontrão no bom português)...e me encanto com o paradoxal bailado entre os corpos plenos de testosterona (munidos de tacos e armaduras) deslizando nos gelos como se fossem bailarinos.
Ainda bem que emoção não precisa de legendas. A virada do ‘match’ me impactou como num jogo de futebol. Meus olhos voaram para os telões como mariposas que se entregam à luz. A chuva lá fora me embalou num cenário imaginário de Julho no Brasil, nas finais dos campeonatos estaduais.
 Acabei me dando conta de que os pontos vermelhos são também os torcedores do Canadiens com seus uniformes encarnados, suas caras pintadas, seus pequenos carnavais nos sorrisos. A chuva afinal não passou, mas acho que também mereço esse pequeno brinde. 



Detalhe de "A multidão Iluminada" de Raymond Mason


segunda-feira, 18 de abril de 2011

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Varais

Os primeiros raios de sol chegaram dia desses em Montreal. E as ruas que eram quase sempre vazias, com alguns pinguinhos aqui e ali, ficaram subitamente floridas de gente. Gente para ser feliz e provar de tudo o que é novo, de novo. Já dá pra entender que o ciclo de estações reais mexe mesmo com o nosso estado de espírito. Mas eu discordo em dizer que tempo de chuva ou de neve é tempo ruim .É simplesmente neve (que pra desencanto de alguns, não foi só feita para o Natal) e Chuva (que para desencanto de outros , não foi só feita para usar botas de plástico).
Posso falar aqui depois - qualquer hora dessas - sobre as ruas e a movimentação meio ‘Porto da Barra no Verão’ que senti quando São Pedro concordou em dar uma colherzinha de chá para a Primavera. Porque o que eu gostei de vez foram os varais, que deram tinta e ares de coisa improvisada à cidade. É que com o inverno, claro, algumas coisas ficam mais restritas e controladas.
Nunca poderia ver uma saia sambando ao léu durante uma tempestade de neve. Ela pegaria no mínimo uma pneumonia, tadinha. Caminhando aqui e ali, vi lençóis, camisas, bermudas...todos se exibindo ao sol e se renovando para a primavera. Parece que as casas estão de língua de fora. :P
Já falei que gosto das estações de meio de campo? Sim, o verão e o inverno são o Gol da natureza, mas quando a bola fica ali meio enrolada bem antes da pequena área, quando o passe e o drible não dão exatamente no ‘But’* da coisa, também é bom. Dá pra arejar a mente e olhar a beleza por entre as frestas. Foi o que fiz, olhei a beleza distraída que é um sinal escondido da rotina das casas, dos jeitos de seus habitantes, dos seus modos de viver e de se preparar para...para... xi, a linha vai cair... ;)

*Pra quem não sabe, But é gol, ou objetivo em francês.  






e chega de bisbilhotar a vida dos outros (por enquanto) :)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

As Ruas

Aqui em Montreal não são como no Brasil que de repente mudam de nome e viram outra ‘gente’. As ruas são únicas, longas e fiéis às suas origens. Só mudam o sobrenome para leste ou oeste.Delgadas e demoradas  como um fio de macarrão (um talharim?) que demora em ser contido pela  boca. Muito mais adaptadas àquele nosso modo brejeiro de indicar direções. Se alguém lhe pergunta aonde fica o endereço  tal, pode responder: Segue a vida toda nessa direção. E não é modo de dizer,é coisa certa como político que mente. Chegar no lugar desejado é questão de tempo. Um piscar de olhos ou um amor desfeito.Um estalar de dedos ou a sua canção favorita.
No comecinho mesmo cheguei a me atrasar em dois ou três compromissos. De cara lavada, argumentava que me confundi com as ruas, estava com o mapa de cabeça pra baixo.:) Mas, aqui entre nós...achava que já estava chegando o final da rua, que os números não eram exatos, que do 6358 saltaria para o 7023, como na nossa baguncinha verde-amarela tão rebuscada. Engano infantil, né?
 É que aqui estou em verdade reaprendendo a viver. Daí o olhar novo e meio atrapalhado sobre as coisas. Coloco no cesto também alguns sentimentos, às vezes é preciso nadar para de uma ilha distante  para ver o sentido das coisas.
Hora de me redimir para depois errar de novo, eu sei.  É que renascimento tem dessas coisas... Enquanto isso, vou me achando e me perdendo pelas ruas. E pedindo mint souce.


Montreal fazendo cara de Brasil-sil-sil!
As ruas que vão atééééé... o finzinho da ilha :)

terça-feira, 5 de abril de 2011

Restô

Costumo almoçar no restaurante comunitário perto do Monte que dá nome à cidade, o Mont Royal. Comida barata, boa e todo tipo de comensal: Aposentados, trabalhadores, locais e imigrantes. Todo mundo ‘compartilhando’ o bandejão azul! O cardápio pode ser Vegê (preguicinha de francófono pra não dizer Ve-ge-ta-ri-a-noooo) ou não. A refeição é completa com entrada –saladinha – prato principal, sobremesa e bebida. Tem também sopa, ou algum creme quentinho e pão. Há quase sempre as mesmas figuras no salão decorado com garfos enormes e tomates não menos gigantes (se o decorador queria aguçar o apetite do público, pintar de vermelho as paredes seria suficiente, na minha opinião.) Uma das figuras mais simpáticas é o cachorro-guia de um dos freqüentadores, de pelinhos sadios e negros, sempre atencioso com seu dono e simpático com quem passa. Aceita carinho de graça, mas nunca, jamais se desgruda dele. Os idosos – a maioria aposentados – puxam alguma conversa. Perguntam se querem que guarde lugar, aquiescem quando peço licença para sentar à mesa. Se percebem um sotaque incomum, perguntam de onde venho. Se a pergunta já foi respondida, se estou gostando da cidade, e se esta última também já o foi, se estou gostando da comida. Não beira a antipatia porque a maioria é bem amável e quando não tenho vontade de responder é só sorrir e avisar que estou com a boca cheia. Simples assim.
Os cozinheiros outro caso à parte.O italiano sempre me causa angústia porque raramente entendo o seu francês de cabo de vassoura na boca, o meu ouvido de recém – chegada também não é lá grande parâmetro.  O problema é se qualquer hora dessas, ele resolver me perguntar se quero pimenta e eu responder rapidamente que sim, só pra me livrar da conversa... ;)
Numa ocasião cheguei sem escolher lugar e acabei me sentando em frente a uma figura de cinema: Yves. Foi logo querendo adivinhar quem eu era. Ele e sua amiga, também, com alma de bruxa.  Faziam afirmações variadas e eu respondia que sim, ou que não. Em dois minutos sentenciou: ”Você é escritora” e começou a descrever a minha personalidade. Adivinhem que ele acertou 99% das coisas. Entre o meu espanto e timidez ele tirou um livro do bolso, me apresentou um de seus preferidos, o Krishnamurti e disse que queria me apresentar um poeta. Era o Simon que vinha chegando. Um garoto tão lindo quando um abismo. Olhos verdes como de vidro de garrafa. Mas garrafa que mora no fundo do mar, que ainda guarda algo de rum e de um convite perigoso para mergulhar sem volta. A figura mais bela que vi por aqui. Beleza de sedução inconsciente, de sorriso com olhar e ameaça de torpor sem fim.
Com suas mãos de homem grande, tirou um poema do bolso, falou do seu modo de criação, seguro do seu poder de poeta. Explicou como lhe vinham as palavras, da força e do poder que elas têm por si só... Confesso – me embriagou por alguns instantes. Um homem bonito é como um perfume que vai pelas frestas e se espalha sem apelos. Um pássaro de asas transparentes que se vê eqüidistante sem explicação.  Quando Yves disse que eu escrevia, ele sorriu e aquilo poderia ser proibido para menores. Anotou na minha caderneta um livro do Erich Fried, que recomendou a leitura (Cem Poemas sem Fronteiras). E terminamos a conversa com um abraço. Parecia um trecho desses filmes europeus em que se abre a janela sobre um acontecimento qualquer e em seguida se fecha. E quando acendem-se as luzes, a plateia  vai com um sorriso guardado no bolso pra casa.



Les Chuchoteuses de Rose - Aimée Bélanger
                    
Entre uma garfada e outra, os comensais são quase todos meio assim :)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O Imperador Guerreiro da China e seu Exército de Terracota

O Museu de Belas Artes de Montreal recebe a magnífica exposição dos guerreiros da dinastia Qin. Os meninos em terracota (tem meninas também) são o recheio dessa exposição que também guarda preciosidades como utensílios, moedas e outras formas de representações daquela era. 
Não tenho nem de longe gabarito para explicar as coisas que vi. Mas como “Gostar ultrapassa o inteligível”*, eu vou dizer o que mais senti. As estátuas em barro remetem àquele aforismo latino de que ‘ao pó voltarás’, (quia pulvis es, et in pulverem reverteris). Estão divinamente iluminadas de maneira tão quente que as tornam semi-vívidas. É como se a Medusa tivesse acabado de transformá-los em Pedra. Não só os seres humanos como também cavalos, porcos, cachorros...toda sorte de ser vivente reproduzidos em tamanho natural meio desconcertante. Com seus tecidos molengos, suas armaduras forjadas nos corpos, suas bocas semi-abertas, seus modos de transe.
Cheguei a olhar profundamente nos olhos daqueles guerreiros. Eram, naquele momento mágico, a ligação real entre a existência do tal ‘Faraó Oriental’ e seu medo do mistério da morte (aliás, que nos irmana até hoje). São reproduções em série e apesar disso, únicas em si. Obras lúdicas e tácteis, imponentes e verdadeiras. Como a acrobata delicada em seus dedos caprichosos e o jardim aquático com suas garças esverdeadas.
O Imperador tentou ‘resolver’ a questão da morte à sua maneira. Toda aquela pletora de imagens iria consigo para o além, o eterno, o distante. Seu séquito o seguiria para mostrar aos 'do lado de lá 'com quem  estariam lidando. Certamente estavam prontos para a delirante descoberta.


* Clarice Lispector

(Dedicado a Miguel, que viu a exposição em Estocolmo)